Não! Aquilo era loucura! Que acontecia com essa mulher?
Suas posições pareciam que sempre escapavam
aos meus entendimentos.
- Um dia olhei no espelho e assumi
um compromisso. Um compromisso comigo mesma. Eu sabia que seria difícil levá-lo
adiante. Mas assim mesmo, eu o assumi. Sabia
bem que enfrentaria por diversas vezes um ódio de mim mesma por tê-lo assumido
assim, tão categoricamente. Esse compromisso tinha uma ligação intrínseca com a
luta pela minha felicidade, ainda que o sofrimento fosse consequência natural do
processo. Esse compromisso acarretaria em estar em frequente contato interior,
e obviamente, em contato com todas as minhas contradições. Acarretaria também
em não sentir culpas. E ainda que fosse inevitável senti-las diariamente, diariamente
eu teria de expurgá-las porque eu sabia que aquelas culpas eram ancestrais -
provinham de uma condição muito anterior ao meu nascimento, mas me
acompanhariam feito cães de guarda. Esse compromisso me demandaria coragem e
quando eu o assumi eu sabia que eu era uma pessoa repleta de medos. Ele não permitiria que as pessoas – mesmo as
que mais me amassem – conseguissem captar meu movimento e encontrassem-me em
contornos/definições claras; e isso tornaria extremamente difícil a comunicação
pelas palavras, porque tudo parecia muito ligado ao sentir, ainda que o
compromisso fosse fruto da minha mais extrema razão. O compromisso não deixaria
que eu fosse contemplada inteiramente numa opinião só, numa corrente só, num
conceito só; o trabalho “só” de apreensão de sentidos sempre me pareceu muito
mais sedutor e fértil. Sabia que ao ouvir-me plenamente, e não me permitir
trair-me, nada seguiria uma linha contínua e cada passo poderia contradizer
enormemente o anterior – mas isso me possibilitava liberdade tremenda de voltar
atrás e de seguir adiante – e eu bem sabia que o adiante, que o horizonte, nada
tem a ver com uma linha reta (me parece que aprendi isso com o mar). Assim sendo,
eu sabia que com muita frequência eu seria taxada de incoerente – incoerência e
contradição são palavras que as pessoas misturam numa só (e isso me parece
bastante perigoso!). Esse compromisso permitiria que minha gargalhada fosse
muito mais sentida e muito mais gostosa, mas meu choro também – ou seja, nada
me passaria batido, porque isso era consequência certeira da minha escolha: estar
integralmente em cada momento, em cada circunstância, em cada mínimo gesto e
intenção. O compromisso não me deixaria ter tantas certezas, a dúvida seria
muito mais companhia. Ele não permitiria abster-me de sentir, de pensar, de
sonhar e de amar – porque sem isso eu não viveria, quanto menos o viveria. Eu sabia que estaria em constantes brigas
comigo mesma, e teria muita raiva de decisões que não teriam nenhum propósito
ou sentido, não fosse o compromisso assumido. Confesso que fica difícil
categorizar esse compromisso numa coisa só, tamanho são as implicações e os
sentimentos que me levaram e me levam diariamente a mantê-lo enquanto tal. Ele,
acredito, tenha muito a ver com o medo maior da falta de coerência entre o
sentir/pensar e o agir/lutar, com o medo de trair-me - e consequentemente,
trair todo o em torno -, do medo de não saber o que brota de dentro e aceitar
como meu o rolo compressor das opiniões externas. Esse compromisso me permite
estar em paz, ainda que eu esteja no olho do furacão. A paz maior é a paz
consigo. Se isso for loucura, eu não peço para ser perdoada.