Telefonema para
avisar-me que a afetuosa “Tia Dia” se fora. Na estrada, o pensamento rotativo.
- Algo
me faz ter certeza de que lá eu tenho que estar -
(...
cheiro forte de flor, de flor viva.)
“Marina,
que farei sem minha véia?”
E
foi assim que, naquela tarde fria, se apresentaram para mim aqueles olhos suplicantes
de uma face já enrugada. Olhei-lhes a fundo. Os olhos se encontrando, não
contiveram as lágrimas. Ofereci-lhe meu mais sincero abraço, dentro do meu mais
inquieto silêncio. Aquele silêncio de quando o sentir, o pulsar da vida é tamanho,
que se veem inundadas (e encharcadas) todas as palavras de nosso limitado
vocabulário.
No toque com aquele corpo frágil, no
encontro de sua lágrima com minha pele, compreendi profundamente que a viuvez
daquele senhor não significava somente uma mudança de estado civil; sua viuvez era um estado de alma.
Diante da cena de uma separação sem
escapatória – sem nenhuma nova chance, sem nenhuma outra oportunidade – e da
dor mais que profunda daquele homem, já sem sua companheira de vida (e forçado
a seguir), que me deparei com a essência disso que nomeiam de amor.
Confesso
que tentei reter meu pensamento para as circunstâncias que fizeram aquelas duas
personalidades tão distintas (ele tão rabugento, ela tão doce) se encontrarem e
se manterem unidas.
Sim,
um casamento tradicional. Sim, uma construção social.
Mas
ainda que tudo fizesse minha razão apontar para uma quase imposição para ambos
daquela permanência enquanto dois; a dor dele só fazia meu sentir apontar para
a escolha diária daquela ligação. Nada ali lhe deixava mentir: ele escolhia
diariamente aquela mulher como sua companheira.
Era
o andar junto que lhe dava força aos pés.
Compreendi
que a separação mais dolorosa é esta que se impõe como fruto do tempo,
separação esta, que não é consequência das circunstâncias por nós criadas –
frutos de nossas escolhas (conscientes ou não).
A
separação mais cruel é que provém da constatação de que um dia, um vai e outro
fica.
Pode a vida
apresentar coisa mais bonita e mais atroz que essa constatação?
Um vai e o outro fica.