depois
de cumprir o compromisso que criei instantaneamente no intuito de ter uma
desculpa que convencesse a mim mesma a botar as fuças na rua...a volta para a
casa. mas, a vontade já se tornara outra. eu não queria mais voltar a enfurnar
minha fuça naquela casa, pelo menos não naquele instante. a cabeça estava
cheia, o peito esmagado. não havia mais nada a ser feito senão ouvir, ouvir,
ouvir. ouvir um e depois ouvir o outro, quem sabe até o momento de explodir.
o
sinal fecha. olho para a frente sem nada olhar. (o mundo rodava, era a
labirintite ou a pinga vagabunda que eu tomara?). vejo dois corpos - entre
tantos - atravessando a faixa de pedestres. o sinal abre. sigo a seta que eu
mesma sinalizei (confesso que cumpri toda a curva só para calar aquele tic tic irritante). viro
à direita e permaneço no lado direito. percebo que meu pescoço se inclina totalmente
na mesma direção que meu olhar – que, sem razão alguma, ainda acompanha aqueles
dois corpos. como pedestres parecem seguir o mesmo caminho que eu. um deles
também me acompanha com os olhos. desvio o olhar rapidamente - para impedir o
acidente que, naquele dia especialmente, eu estava mais do que propícia a
causar. volto a olhar. agora é só um. e prossegue me acompanhando. piso bem
leve no acelerador, diminuo a marcha. aquele homem acelera o passo. mais um
sinal fechado. ele também pára. sorri fechando os olhos. é bonito. quando me
percebo, eu também estou sorrindo. (que vontade de ficar por aqui, de passar a
tarde toda assim). o sinal abre. penso em parar. penso em abrir a porta e convidá-lo
para entrar. ele vem se aproximando como se, nesses segundos de tomada de
decisão, ele soubesse minha dúvida e estivesse pronto à cessá-la. sinto medo. sinto
vontade. me enxergo como ser desejante. desejante de arriscar. desejante de
esquecer. desejante de - por algumas horas - ser só indivíduo que cumpre seu
próprio desejo. viro a esquina afim de dar a volta no quarteirão e voltar para
aquele mesmo ponto. o ponto em que minha cabeça rodopiante reflete sobre ficção
e realidade. sobre realidade criada que pode parecer roteiro de ficção. sobre
ficção acreditada que pode parecer cena de um cotidiano comum. faço esse
caminho. ele ainda está ali, e o sorriso se rearranja no rosto quando vê meu carro
descendo a mesma. sigo ainda mais devagar. o sinal não vai fechar. não dará
tempo de conseguir pegar o lado direito para virar. não vou consigo parar. ao
mesmo tempo, consigo ler em seus lábios “por
favor, pare.”. eu não posso parar. eu não consegui parar. fui embora sem
saber. sonho não era - a rua permanecia igual, todos seguiam o mesmo ritmo dos
afazeres rotineiros, a casa que eu entrei prosseguia pesada. nada estava
desfeito. sonho não era. voltei para a casa, trazendo de volta somente a
covardia. covarde! covarde por não se permitir desejar.