domingo, 27 de outubro de 2013

eis que mais uma vez se apresenta ante mim esse mistério. mistério que inquieta, que dói , que corrói. dói porque, de alguma forma, nos tira (nos arranca à força melhor dizendo) algo, nos tira alguém. 
a morte – por mais estranho que nos possa parecer – vem, nesse instante, com um gosto de conforto; acredito que por finalmente nos dar a sensação de que oferece a paz para quem tanto a pedia, para quem tanto a merecia.
esse período de transição entre vida e morte foi extenso, foi duradouro. colocou-nos todos frente a frente (e de maneira inescapável) com questões essenciais - e não há como negar como foi difícil poder encará-las sem dor; assim como é difícil encarar a vida,  assim como é difícil encarar a morte.
peço apenas aos dias que virão que mantenham vivas na memória a imagem (e na pele, a sensação) das mãos que me deram meu primeiro banho, e dos olhos que, encantados, vivenciaram comigo nossa primeira vez diante da assustadora imensidão do mar.  
(mar e imensidão que ainda assustam e que ainda se mostram como esse mistério que agora vivencio.)
quem sabe hoje a senhora não consiga alcançar melhor todas essas coisas que tanto me escapam?

estou certa de que o tempo irá fazer com que eu consiga pintar todas as lembranças que vierem com os tons das heranças que me deixas.


vá vó, vá em paz se juntar ao nosso véio caipira

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

sentei exatamente ali. em meio à fumaça. olhei para uma de minhas mãos. embora houvesse ansiedade em cada poro de meu corpo, ela não tremia. mas suas veias estavam visivelmente saltadas. imaginei-me mais velha. talvez algumas rugas me embelezassem. num gesto forçoso, joguei a cabeça para trás. olhei para o céu, com os olhos ainda fechados. mas eu sabia que o céu estava ali. abri-os. a claridade doeu, a claridade rasgou. não os fechei mais
...e assim decidi ficar, até quando as rugas chegassem.  

sábado, 5 de outubro de 2013

recriar.

pensei, nesta noite tão oca, em convidar alguém – um qualquer alguém – para conversar. no entanto, olhei para a folha em branco. e neste ato, decidi redescobrir o prazer. redescobrir o prazer de escrever. em que capítulo da vida ele se perdeu? onde foi que criei para mim mesma uma barreira intransponível? limite não existe por si só. não existe limite para a dor, para o amor, para a imaginação, para o corpo, para o pensamento; não existe se não o criarmos. saber discernir o momento em que o limitar é atitude desejável e saudável, e o momento em que ele é, tão somente, castração. pular a cerca da incomunicabilidade. transfigurá-la em criação.

olhei para aquele fogo. senti saudade. senti saudade de queimar, senti saudade de arder, senti saudade do morrer. do morrer e do renascer. eu esqueci de renascer. o humano é tão cruel consigo mesmo quando esquece de renascer. renascer é nova vida, é folha em branco – ainda que a folha mais se assemelhe a um rascunho cheio de correções, anotações, rabiscos –, renascer é reinvenção.

reler toda a trajetória. reler com humildade, com dignidade. é necessário adentrar no já vivido, e subverter todos os sentidos. só dai pode nascer coisa nova, vivência nova, instante novo. resignificação!


(ao som de Yann Tiersen tudo parece mais possível).