Suspeito que todo mundo
tenha algo guardado, bem guardado. Guardado numa caixinha de madeira sem cor, que
mora há muito tempo no fundo do armário, do armário do quarto daquela casa das
primeiras experiências [ah, as primeiras experiências...].
Essa suspeita mesmo se
encontrava guardada na minha caixinha, e para quantas proximidades, compreensões,
reconhecimentos e destinos outros ela já me levou... [uma série incontável]. Sinto
que, desde quando muito pequena em idade, ao olhar com fundura para outros
olhos, mergulho sem razão na busca por imaginar que espécie de coisas [de
coisas vivas e vividas] estão guardadas na caixinha do fundo daqueles outros
olhos. Nem sempre são agradáveis os
lugares que visitei na ânsia de encontrá-la, e, devo dizer, tem gente que a
esconde [a protege] quase que com raiva, com amargura. Eu confesso que já me
machuquei muito nessas minhas andanças de fundo de olhos, e na maioria das vezes,
não cheguei nem próximo de encontrar alguma coisa. Mas existe mesmo uma certeza
íntima, uma certeza estranha [e que por vezes me vejo tentada a maldizer], de
que ela existe e de que tem coisas guardadas ali... Tenho cá uma voz interior
que me assopra delicadamente, embora com firmeza, no ouvido que ninguém pode
ter uma caixinha vazia, e que, num mundo de tantos julgamentos, de tantos dedos
apontados, é mesmo bastante difícil que alguém não guarde secretamente a sua
caixinha de essenciais.
Hoje,
desprevenida [como tinha mesmo de ser], encontrei a minha. Foi tocante, tocante
ao ponto de molhar os olhos. Foi também um tanto desconfortável [será mesmo que
o passado é uma roupa que não nos serve mais?]. Uma experiência dolorosa e
alegre, tal qual a experiência de nos olhar sem proteção para o espelho. Tem
muito ali que eu gostaria de fugir, de esquecer, de ignorar, de negar, de rejeitar,
de expulsar pra fora da minha caixinha. Mas seria uma atitude tão tola! O que
subsiste no fundo dos olhos a gente não tira, e vai saber se não são exatamente
essas coisas que, paradoxalmente, lhes mantém o brilho? Sinto que fiquei ali a
encarando por horas [dias, meses, anos, décadas], e encará-la era transcendê-la...
... E talvez seja disso
mesmo que ela viva, de oferecer-nos a possibilidade de nos olharmos sem
reserva, de nos demorarmos em nós, e quem sabe, exatamente assim, transcendermos
a nós mesmos [não de todo e sempre, obviamente]. Até porque, simplesmente negar o
que não conhece de si, é permanecer incessante e justamente naquilo que se nega.
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